quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

"Porque você vai perder a próxima eleição",

Na última eleição para prefeito, João tinha objetivos claros: derrotaria o candidato da situação e seria o prefeito de uma importante capital. Sua primeira tarefa foi providenciar recursos para pagar a empreitada.
Fez as contas e viu que o dinheiro do fundo partidário não faria frente ao adversário, que contava com o apoio de fornecedores da prefeitura e funcionários em cargos comissionados. Decidiu procurar alguns empresários e amigos que pudessem ajudá-lo. Prometeu-lhes que suas provas de amizade seriam bem apreciadas em caso de vitória. Conseguiu financiamento e foi montar sua equipe.
O marqueteiro, com uma série de vitórias famosas em seu currículo, foi o primeiro a ser escolhido. Em seguida, procurou uma pessoa de mobilização, capaz de contratar, orientar, mobilizar e pagar cerca de dois mil cabos eleitorais. Contratou também um grupo de intelectuais capazes de montar o plano de governo crível e factível.
Pesquisas foram encomendadas. Descobriu-se os bairros em que o candidato era reconhecido e os que ninguém tinha ouvido falar dele; a roupa que passaria a imagem de político comprometido e até as palavras ideais para cada situação. A mídia tradicional local recebeu um conjunto de anunciantes ligados ao candidato, com a condição de serem, no mínimo, complacentes. O circo estava montado.
O marqueteiro tratou de fazer o seu trabalho, e o fez muito bem. Nas primeiras semanas, a propaganda da televisão mostrava apenas vídeos do candidato, com seu nome, histórico familiar e seus amigos. Nas semanas seguintes, propostas para melhorar a cidade, jingles envolventes, depoimentos de jovens com esperança nos olhos e gráficos com o crescimento de seus eleitores.
O site e as redes sociais foram reflexo do que a televisão exibia. As propagandas não mencionaram sequer o endereço do site. Para todos, inclusive o marqueteiro, a web era apenas um canal sem muita relevância.
Nas últimas duas semanas, o candidato a prefeito passou a marcar seu número e pedir o voto. Invadiu o tempo de televisão dos vereadores para massificar seu pedido. Usou todo espaço que poderia ter.
O resultado não poderia ser outro: vitória! Apertada, por menos de 5%, mas vitória!
Em resumo, as condições que possibilitaram que João fosse eleito foram: muito dinheiro, tempo de televisão aproveitado por meio de programas com produção profissional, equipe de rua numerosa, comunicação tradicional, adversários com mentalidade tradicional e mídia favorável.
Com as novas regras eleitorais, definidas pela reforma política, João certamente perderia a eleição. Sem recursos devido a proibição do financiamento privado, como contrataria tantas pessoas? Como pagaria o marqueteiro? De onde viriam recursos para bancar vídeos com produção cinematográfica? Além disso, a campanha foi reduzida. A televisão não terá mais do que 30 dias para convencer eleitores.
Mas há alternativas. A presença digital de um candidato pode ser trabalhada a qualquer tempo. Ficou proibido apenas o pedido de voto antes do prazo, mas qualquer candidato pode construir sua base usando seus sites e perfis em redes sociais.
Hoje, o candidato que apostar na televisão como prioridade corre o risco de ser massacrado por quem estrategicamente se preocupa em formar base de simpatizantes, captar endereços de e-mails e números de celular, apresentando um discurso transparente e coerente.
O que fará a diferença na próxima eleição é o entendimento que cada candidato tem do novo jogo. Como em tudo, o que se adaptar sobreviverá. Quem acreditar que tudo será como antes terá uma surpresa amarga na urna. por Marcelo Vitorino Folha de São Paulo
MARCELO VITORINO, 36, estrategista de comunicação digital, é professor de marketing digital na ESPM - Escola Superior de Propaganda e Marketing e IESB - Instituto de Educação Superior de Brasília

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