quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

AGRAVAR A CRISE

SE RESTAVA alguma dúvida, algum fiapo de esperança pueril, ficou dolorosamente claro na semana passada que a crise de confiança da economia brasileira ainda tem espaço para se agravar. Manifestações públicas do presidente do Banco Central, do ministro da Fazenda e do ex-presidente Lula mostram que, na cabeça do governo, a solução para nossos problemas é adotar justamente as medidas que nos enfiaram no buraco atual. As três falas convergem para a ideia de que, para tirar a economia do coma, é preciso que o governo patrocine uma infusão de grana na veia. Não vai funcionar. Vai piorar as coisas.
O primeiro a falar foi Alexandre Tombini. O presidente do Banco Central "autônomo mas não independente" — como a presidente Dilma faz questão de lembrar — encontrou a desculpa perfeita para reverter semanas de sinalização ao mercado de que a taxa básica de juros (a Selic) subiria. Depois de uma reunião com Dilma, Tombini usou as novas estimativas do FMI para o Brasil — contração de 3,5% neste ano — para mudar o jogo. Oportunismo ou incompetência?
Tombini já sabia que a média dos economistas brasileiros — reunidos no relatório Focus, do BC — estimava contração dessa magnitude para este ano. O departamento econômico do BC não pode ter sido surpreendido pelo FMI, Foi um episódio clássico de incompetência? Não. Tombini precisava de uma desculpa para o desvio de rota. Infelizmente para ele, a sociedade brasileira é aberta, plural, e algumas pessoas ainda dizem o que pensam. Sua manobra foi qualificada, pelos críticos mais generosos, de "esquisita" e "decepcionante". Curioso é que, no mérito, havia até bons argumentos para não mexer na Selic. Ao usar uma desculpa esfarrapada, porém, Tombini manteve a taxa, mas derrubou a credibilidade do BC.
O segundo a falar foi o ex-presidente Lula. Sentem-se. "É preciso ter clareza que não se convencem empresários (a investir) se o governo não está pondo dinheiro, porque empresários não vão pôr se o governo não fizer. É preciso uma forte política de financiamento " Presidente Lula, os empresários não querem que o governo ponha dinheiro: eles querem que o governo saia do caminho. Até aqueles viciados na linha camarada no BNDES já entenderam que a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, Nelson Barbosa?
Os empresários querem um governo que poupe e permita, assim, que os juros caiam e o poder de compra das pessoas seja devolvido. Os empresários querem um governo que acredite em regras claras para os investimentos, com menos burocracia e com impostos justos — ou seja, o oposto do da proposta de Lula,
Quanto aos pobres, presidente, o senhor vai me desculpar. Mas os pobres da vida real são pessoas bem diferentes das que o senhor imagina. As pessoas ficam gratas, sim, por um cartão do Bolsa Família ou uma linha da Caixa para comprar uma casa e os móveis. Mas dignidade maior existiria se o Brasil simplesmente gerasse empregos, se a escola pública preparasse as pessoas para esses empregos e se, uma vez recebendo o salário, ele não fosse aviltado pela inflação, que só cresceu nos cinco anos do governo Dilma. Dignidade é não ter de ser grato a político, mas sentir gratidão ao Brasil pelas oportunidades que o crescimento gera.
O mais imperdoável na fala de Lula, no entanto, foi a forma como minimizou a inflação: "Eu, que vivi uma inflação de 80% ao mês, com 8% ao ano dá até para guardar dinheiro debaixo do colchão". Lula finge desconhecer que a inflação é o imposto mais pesado sobre os pobres. Enquanto a classe média se protege nas contas bancárias corrigidas pelo CDI, a inflação bate em tempo real a carteira do trabalhador que ganha um ou dois salários mínimos. Ao comparar os dias de hoje com a fase mais sombria da hiperinflação brasileira, Lula esquece que 21 anos depois do Plano Real, a indexação continua aí, firme e forte. A fala de Lula é um escárnio ao nosso duro aprendizado coletivo de que a moeda precisa ser defendida. Fala de desonestidade cruel e cinismo perverso.
Já Barbosa traficou aquela caricatura de keynesianismo em que TUDO na economia é questão de estímulo. "O paciente não reagiu? Dobre a dose." Explicando seu plano, disse que vai "levar o cavalo à água e ver se ele quer bebê-la". Não vai adiantar. Com ideias assim, o cavalo da economia continuará sem sede, sem esperança, e sem horizonte. POR GERALDO SAMOR

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