quarta-feira, 27 de abril de 2016

"Uma linha de investigação aponta Lula no comando"

Um dos condutores da Operação Lava Jato, o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima evita fazer juízos definitivos, mas não esconde a convicção a que chegou a força-tarefa que investiga o esquema de corrupção que corroeu aPetrobras. “Há uma linha de investigação que aponta Lula na cadeia de comando”, afirma nesta entrevista a ÉPOCA. Negociador-chefe dos acordos de delação premiada, Carlos Fernando não tem boas notícias para quem ainda busca esse entendimento: como já se sabe quase tudo sobre o caso, há cada vez menos espaço para novos delatores; quem quiser reduzir sua pena terá de contar algo muito valioso aos investigadores. “Precisamos punir as pessoas, não é possível fazer acordo com todo mundo”, diz Carlos Fernando. “Vai ter de trazer uma coisa muito extraordinária.”
ÉPOCA – Qual a distância que a Lava Jato tem a percorrer para alcançar o chefe da quadrilha do petrolão?Carlos Fernando dos Santos Lima – Temos claro hoje que a pessoa do ex-presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) tem uma responsabilidade muito grande nos fatos. Há uma linha de investigação que aponta ele na cadeia de comando. Temos indicativos claros de que havia conhecimento dele a respeito dos fatos e o governo dele era o principal beneficiado do financiamento da compra de base de apoio parlamentar. Infelizmente não estamos com esse processo aqui. O tempo será dado pelas circunstâncias da decisão do Supremo de mandar para Curitiba as investigações ou não.
o procurador Carlos Fernando Santos Lima (Foto: Ernesto Rodrgiues/Folhapress)






ÉPOCA – No caso de Lula, há convicção de que houve crime na reforma do sítio de Atibaia e no caso do apartamento tríplex em Guarujá? Lula é, de fato, dono do sítio?
Carlos Fernando – Infelizmente o material está fora daqui e não podemos fazer essa afirmação hoje. Existem diligências que não pudemos fazer. Há diligências que deveriam ser feitas, e não foram feitas. Não temos dúvida de que ele era a pessoa que tinha usufruto daquele sítio. Mas ainda precisamos fazer uma série de diligências. No tríplex é a mesma situação. Não temos nenhuma dúvida.
ÉPOCA – A repercussão da condução coercitiva de Lula atrapalhou a operação?
Carlos Fernando – Toda decisão envolvendo o ex-presidente teria repercussões. Insistimos que nós conduzimos 116 pessoas antes do ex-presidente – mas somente a do Lula gerou esse tipo de discussão. Qualquer coisa que fosse feita seria usada politicamente, porque a única defesa possível nesse caso é a defesa política. A condução foi baseada na verificação da interceptação telefônica, de que havia a montagem de um esquema de resistência a qualquer ato de nossa parte. Nossa preocupação foi tirá-lo do local para evitar o risco a ele, aos nossos agentes, e também impedir essa movimentação. Chegaram a dizer que algumas pessoas iriam acampar na frente do prédio para evitar qualquer tipo de atitude nossa. A condução se baseou em fatos concretos que indicavam a dificuldade de cumprir medidas.
ÉPOCA – Vários acusados estão presos, mas os políticos estão sendo processados em velocidade mais lenta. Não há risco de a população se frustrar?
Carlos Fernando – O foro privilegiado é o principal fator que causa essa disparidade de velocidade. É natural que o Supremo Tribunal Federal não esteja preparado para um número tão grande de pessoas. Não creio que o STF, por maior que seja a boa vontade, tenha condições de chegar à velocidade de um juiz de primeiro grau. Gostaríamos que houvesse uma discussão em nível constitucional sobre a reforma dessa questão do foro. O Brasil é um dos países com a maior quantidade de pessoas com foro privilegiado. Eu, por exemplo, tenho foro no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e não creio que isso seja republicano. Esses empecilhos só são superáveis se houver reforma constitucional. 
ÉPOCA – O novo ministro da Justiça criou alguma dificuldade para a Lava Jato?
Carlos Fernando – Salvo a primeira manifestação dele, que pode ter sido mal compreendida ou não foi exatamente muito feliz, não tenho nada de concreto a falar.
ÉPOCA – Há risco para as investigações em um eventual governo Michel Temer?
Carlos Fernando – Nós não temos nenhuma opinião formada sobre essa ou aquela posição política. O doutor Temer é professor de Direito Constitucional e entende os limites republicanos no país. Cremos que não haverá nenhum perigo ou tentativa de limitar o alcance das investigações. 
ÉPOCA – Vocês estão preocupados com o cerceamento da Polícia Federal?
Carlos Fernando – Temos essa preocupação porque é uma equipe muito produtiva e eficiente. A Lava Jato surgiu por uma investigação deles e depois se transformou no que é. E eles (os policiais) têm uma estrutura mais hierarquizada e com menos garantias que a nossa (procuradores). Temos também preocupação com tentativas de assassinato de reputação do juiz Sergio Moro, porque, seja qual for a decisão que ele tomou, tomou dentro de seu poder como juiz. Então tentativas de desqualificá-lo são inaceitáveis. Há ainda um risco de segurança e ele deve se proteger. É bom deixar claro que as investigações não são conduzidas pelo juiz: juiz tem apenas a função de tomar determinadas decisões. Investigações são feitas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.
ÉPOCA – Pelo menos cinco empreiteiras negociam acordos de leniência e de delação premiada. Esses acordos podem não sair?
Carlos Fernando – Nós temos a função primordial de fazer acordos de leniência. (Mas) Nós entendemos que não é possível um acordo (de delação) com mais do que uma grande empreiteira. Estamos dispostos a conversar com aquela empreiteira que trouxer o melhor para o interesse público: mais provas, mais fatos novos e o maior valor de ressarcimento possível. Só há lugar para mais uma empreiteira. Precisamos punir as pessoas, não é possível fazer acordo com todo mundo. 
ÉPOCA – Só cabe mais um sócio ou executivo de empreiteira nas delações?
Carlos Fernando – Sobre sócio ou executivo, isso vai ser analisado em conjunto com a Procuradoria-Geral da República. Não vou dizer que só há lugar para mais um, porque a questão é analisar o que cada um pode ajudar. Chegamos a uma fase em que nós estamos com tantas provas que realmente pouca novidade pode aparecer. Aquele que atender ao interesse público pode ganhar um acordo. Vai ter de trazer uma coisa muito extraordinária.
ÉPOCA – Quase um terço dos réus da Lava Jato são delatores. Existe uma quantidade máxima?
Carlos Fernando – Não existe número mágico. O número hoje de delatores corresponde a um terço, mas também temos um represamento de denúncias, porque não podemos inundar a 13a Vara Federal do Paraná com todas as denúncias ao mesmo tempo. Posso deixar bem tranquilo que essa proporção vai aumentar bastante com o tempo. Vai chegar um momento em que não vamos ter delatores e vamos ter oferecimento de denúncias na sequência. Não está fácil fazer acordo. Tanto é que acordos recentes são pequenos ou pontuais, com pessoas fora do radar, ou são tão grandes a ponto de gerar mudança de patamar nas investigações.
ÉPOCA – Há uma tentativa de deslegitimar a Lava Jato?
Carlos Fernando – Há medidas no Congresso que são incentivo à corrupção, como a lei do repatriamento, a medida provisória do acordo de leniência, tentativas de mudar o entendimento de que é possível executar pena com decisão só de segundo grau. Vamos denunciar isso. Estamos vacinados.
ÉPOCA – Até quando vai a Operação Lava Jato?
Carlos Fernando – Eu creio que, do mais importante, talvez até dezembro já tenhamos um panorama bem completo. Mas vamos ter anos e anos de acusações criminais com o material que temos. Temos uma série de filhotes da Lava Jato que vão se espalhar pelo Brasil.
ÉPOCA – Como vocês lidam com as críticas de que poupam a oposição das investigações?
Carlos Fernando – Enchem tanto a gente por conta disso... Para investigar, qualquer procurador tem de partir de um fato concreto – não posso abrir investigação para pegar fulano etc. e tal. Temos os limites da lei, não podemos sair e falar: “Agora quero pegar o governo do FHC”. Se aparecer crime do governo FHC, vou analisar se está prescrito ou não, daí podemos investigar. Boa parte dos crimes já está prescrita. E o mais importante: a maior parte do que aconteceu nos últimos 13 anos está na responsabilidade de um grupo de partidos. São 13 anos de um mesmo grupo político no poder, não temos como escapar disso.

domingo, 24 de abril de 2016

Brasil paga agora por omissão do governo, diz editora da 'Economist'

Erica Dezonne/Folhapress
Zanny Minton Beddoes, editora-chefe da revista britânica "The Economist"
Zanny Minton Beddoes, editora-chefe da revista britânica "The Economist"

Será que ele também engole?

Acabei de ser ofendido num restaurante paulista. Cuspi na cara do coxinha e da mulher dele! Não reagiu. - escreveu José de Abreu em sua conta no twitter. E não ficou por aí.
O covarde perdeu a linha, deve ter cagado nas calças. Cuspi na sua cara, na cara da mulher dele e ele não reagiu. Covardes fascistas. - arrematou em seguida, demonstrando a costumeira virulência que não é de hoje o caracteriza. Teve mais.
Fujão covarde levou uma cusparada na cara e a mulher levou outra. Fascistas são tratados assim. - exclamou em tom vitorioso, finalmente encerrando uma saraivada de mensagens impossível de não provocar asco em quem possui um mínimo de caráter e equilíbrio emocional.
Pelo pobre diabo que é, já caindo aos pedaços e no entanto sujeito a arroubos típicos de um militante juvenil, José de Abreu não merece ser levado a sério. Assim como grande parte da nossa classe artística, é tão somente um idólatra de bandidos incapaz de disfarçar sua natureza autoritária.
Dito isto, não deixa de ser sintomático que uma das semanas mais importantes em nossa história termine emoldurada por dois episódios tão abjetos, as escarradas de Jean Wyllys em Jair Bolsonaro e esta de Abreu em um casal, primeiro no rosto do rapaz, depois no de sua companheira.
Ambas as situações podem render bons frutos para a sociedade - Wyllys perder seu mandato por falta de decoro, e o rompimento definitivo da auréola protetora que envolve os artistas em geral - mas já estou preocupado com a passada de pano que a mídia com toda sorte dará ao segundo episódio.
Não é de hoje que a imprensa se empenha em botar panos quentes no chamado Fla-Flu, como se paternalizar a população pudesse de alguma forma trazer benefícios ao país, ignorando que o atual momento se deve precisamente à nossa preferencia por evitar assuntos importantes devido as naturais faíscas que estes provocam.
Desta vez não será diferente. A culpa pela cusparada recairá sobre o debate, jamais será atribuída a um sujeito que, insisto, não é de hoje, sem o menor pudor utiliza de seus perfis em redes sociais para agredir de maneira insana.
Defenderão que, enfim, virtual e real são coisas distintas, que pessoas públicas sempre tiveram e continuam tendo o direito de flanar por este país como se não tivessem nada a ver com o que está acontecendo. Que podem ofender, xingar e apregoar todo tipo de baboseira, sem que por este motivo mereçam ser encaradas com menos afeto, tampouco indignação.
A mídia em geral, principalmente os programas de debate na televisão, deveriam preocupar-se, isto sim, em travar um debate menos chapa-branca e mais condizente com o nosso dia a dia, sem se preocupar em ferir suscetibilidades.
Digo, não há sentido em fazer diferente e é até irresponsável propor às pessoas uma falsa imparcialidade quando esta opção se apresenta inviável nas gôndolas dos supermercados. Sem falar na postura intransigente dos defensores do governo. Acaba gerando um desequilíbrio fatal para a discussão.
Indo direto ao ponto, o governo Dilma acabou e o pesadelo do PT apenas começou. É este o motivo de tanto belicismo por parte da esquerda, incluindo aí dirigentes e simpatizantes. Passaram décadas semeando o nós contra eles, e quando finalmente eles decidiram acordar, agora querem melar com o jogo.
De tão desesperados, não bastasse a patética tentativa da futura ex-presidente em propagar um clima de instabilidade institucional, e ameaças toscas como “vai ter luta!” e “vai ter tiro!”, só restou incendiar Roma via cusparadas.
Pois cometerá um grande erro quem apostar em um Brasil de joelhos, tremendo de medo pelo alarido de velhos coiotes aflitos com seca que se anuncia.
Você não é intocável, José de Abreu. Pode babar de raiva, é até compreensível, mas não se considere intocável, intimidador, ou pense que junto de alguns coleguinhas ainda têm o poder de propor lavagem cerebral coletiva. Este tempo já passou.Mario Vitor Rodrigues
é escritor, apaixonado por gastronomia, futebol, séries e cinema. Já morou em Nova Iorque, Paris e, após uma temporada em Milão, está de volta ao Rio para finalizar seu próximo romance pela Nova Fronteira. Sempre no twitter @mvitorodrigues
Twitter do ator José de Abreu (Foto: Reprodução / Twitter)Twitter do ator José de Abreu (Foto: Reprodução / Twitter)

A democracia exige respeito

Alívio. Nas Nações Unidas, a presidente Dilma Rousseff poupou o Brasil do vexame da denúncia de um golpe que não é golpe que ela insiste em dizer que é golpe. Foi prudente, comedida e elogiada. Não pelo que falou, mas pelo que não disse. Poucas horas depois, pôs tudo abaixo. Na entrevista à imprensa internacional despejou lamentações contra a “injustiça”, proclamou-se vítima, rogou ao Mercosul e à Unasul punições ao Brasil caso ela seja deposta -- como se os dois organismos fossem de importância crucial para o país – e voltou a decretar a ilegitimidade de seu vice, Michel Temer.
Não parou por aí. Jogou lama nas instituições brasileiras, criticando ministros da Suprema Corte que rechaçam a tese de golpismo, engendrada e propagada pela presidente e pelo PT, e a Câmara dos Deputados, que, por maioria mais do que absoluta, aprovou a admissibilidade do impedimento constitucional contra ela.
Talvez por ter lutado contra uma ditadura para tentar impor outra, Dilma tenha dificuldades para entender o conceito de democracia na sua amplitude. Fala sempre de seus 54 milhões de votos como se eles fossem garantia perene. Na sua tacanhice de visão, democracia se restringe ao ato de votar. Para ela, a vitória no sufrágio condena o eleitor a engolir o escolhido, mesmo que o eleito não seja digno da representação recebida.
Finge desconhecer que a Constituição confere a ela e a seu vice a mesma legitimidade. Goste-se ou não do vice. E que a Carta tem instrumentos – ainda que rígidos – para proteger o eleitor quando o eleito fere os seus preceitos.
Não há dúvidas de que pedaladas e empréstimos não autorizados pelo Parlamento aconteceram. O próprio governo admitiu isso ao pagar os débitos pedalados no ano fiscal seguinte ao crime. Tanto que calca sua defesa na afirmação de que todos os governos anteriores cometeram delitos idênticos. Ainda que fosse verdade, se mantida a premissa de um crime justificar outro, não só a proliferação delituosa seria endêmica como se tornaria impossível qualquer punição em qualquer época.
Mas é fato que as pedaladas não são as responsáveis pelo repúdio popular a Dilma e ao PT. Ainda que sejam definidas como crime de responsabilidade previsto na Constituição, elas estão longe de ser compreendidas pela maioria. Mas, assim como a sonegação fiscal, um crime dito menor, acabou com o lendário Al Capone, elas têm a capacidade de banir Dilma, o PT, Lula e todo rastro de imoralidades que eles patrocinaram.
O brado contra o golpe fictício e a vitimização acabaram se tornando os únicos e derradeiros tiros. Só que além dos públicos cativos eles não atingiram outros alvos. Na mídia internacional, onde Dilma imaginou ter fôlego para a sua pregação contra o “golpe”, pouco conseguiu arregimentar fora do eixo bolivariano.
No máximo, Dilma colheu a defesa de eleições gerais na The Economist. Não por se renderem à sedução da presidente vítima, mas por entenderem que nem Dilma nem ninguém na linha de sucessão direta – Temer, Eduardo Cunha (que a revista inglesa desconhece estar legalmente impedido de assumir a Presidência da República por ser réu no STF), Renan Calheiros e outras dezenas de parlamentares – teriam ficha limpa para assumir o poder.
A prestigiada revista semanal inglesa acerta na sintonia com a demanda popular, mas erra na viabilidade, inclusive constitucional, da execução de um pleito extra.
O fora tudo é agradável e simpático de ser defendido. Parece ser a solução para todas as coisas. Mas não é. Muito menos está no escopo político de quem defende eleições já. No projeto protocolado na semana passada no Senado, a proposta de novo pleito se restringe a presidente e vice para um mandato tampão de dois anos. Não inclui os demais – nem deputados nem senadores, que não emprestariam dois terços de maioria para votar contra si.
Ou seja, cada defensor da ideia malandra de diretas já, da dona da Rede, Marina Silva, ao PT, Lula e Dilma, sabe da impossibilidade da tese.
Eleições extraordinárias têm ritos a serem seguidos. O esforço de animar a galera com elas quando se sabem improváveis é tão danoso quanto o engodo da pregação do golpe. Ambos os discursos tentam ludibriar o público. Pior: o fazem em nome da democracia, enxovalhando-a.Mary Zaidan
Mary ZaidanÉ jornalista. E-mail: zaidanmary@gmail.com Twitter: @maryzaidan

Lei brasileira pode dar anistia a donos de contas de offshores identificados no ‘Panama Papers’

O JEITINHO BRASILEIRO QUE INCENTIVA O CRIME
A divulgação dos Panama Papers gerou um estardalhaço global com a revelação de que chefes de Estado, políticos e celebridades são beneficiários de offshores, que permitem driblar o fisco para ocultar recursos, sejam de origem legal ou ilegal. Em alguns países, o episódio, divulgado por um pool de jornalistas do mundo todo, tornou-se um escândalo nacional, como na Islândia, onde o primeiro ministro, Sigmundur Gunnlaugsson, renunciou por pressão popular quando veio a público a sua fortuna oculta.No Brasil, os Panama Papers vem à tona quando uma legislação entra em vigor para facilitar a regularização de dinheiro de brasileiros mantido no exterior, mas que não havia sido declarado à Receita Federal. No dia 5 de abril, começou a valer o prazo para que pessoas ou companhias que possuem bens não declarados fora do país regularizem sua situação.
Mediante o pagamento de uma multa equivalente a 30% da quantia a ser declarada, o fisco garante a anistia para essas contas que tenham origem lícita, ou seja, não sejam fruto de atividades ligadas ao terrorismo, tráfico de drogas, ou crime contra a administração pública. Caso não sejam regularizadas, seus usuários podem ser denunciados por crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, dentre outros. A lei, uma proposta debatida à exaustão no ano passado e aprovada em janeiro deste ano, nasceu da necessidade de equilibrar as contas públicas, num momento em que a arrecadação minguou. Mergulhado numa grave crise política e econômica, a expectativa do Governo é arrecadar 150 bilhões de reais com a nova lei, que vale até 31 de outubro. Seria uma janela para que recursos no exterior sejam regularizados, já que o Brasil é signatário de um acordo internacional que entrará em vigor no ano que vem e que endurece as leis contra sonegadores.
A dúvida é quem poderá se beneficiar da nova lei, incluindo os proprietários das offshores identificadas pelos Panama Papers, por exemplo. No domingo, dia 4, um dia antes da lei de repatriação entrar em vigor, veio a público o conjunto de documentos referentes a empresas offshore abertas pelo escritório panamenho Mossack Fonseca, com ao menos 57 brasileiros, entre eles rondam suspeitas sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Se confirmado que é um dos beneficiários, o deputado do PMDB não poderia se amparar na lei pois pessoas que ocupam cargos públicos (eletivos ou não) e seus parentes de até segundo grau não poderão usufruir dos benefícios da nova lei de repatriação. Outros políticos brasileiros de sete partidos também aparecem na relação dos Panama Papers.
As contas de brasileiros ainda precisam ser analisadas pela Receita, para saber se foram declaradas ou não. Teoricamente, também estariam impedidos de obter as vantagens oferecidas pelo fisco quem obteve o dinheiro mantido no exterior de forma ilegal. O problema é que fica a critério da pessoa declarar qual a origem dos bens quando for preencher a declaração de renda. De acordo com a lei, é preciso fazer uma “declaração de que os bens ou direitos de qualquer natureza declarados têm origem em atividade econômica lícita e de que as informações fornecidas são verídicas”. No sistema da declaração on-line da Receita não é pedido que nenhum documento comprovando a origem dos recursos seja anexado: basta afirmar a quantia e dizer de onde ela veio. Abre-se neste ponto uma brecha para que dinheiro fruto de atividades criminosas possa voltar para o país limpo – e seus detentores livres de qualquer acusação.
Raquel Elita Alves Preto, presidente da Comissão de Estudos de Tributação e Finanças Públicas do Instituto dos Advogados de São Paulo, afirma que ao declarar o recurso no exterior é preciso que o contribuinte faça “uma narrativa da origem do dinheiro”, o que dificultaria a regularização de valores fruto de atividades ilegais. “A Receita pode, eventualmente, solicitar documentos e informações adicionais para comprovar que o recurso não tem origem ilícita”, diz, ressaltando que o controle do fisco costuma ser feito por amostragem, o que não garante 100% de eficácia nos controles. Ela avalia que “a lei é boa do ponto de vista acadêmico e técnico”, por usar parâmetros “contemporâneos e recomendados internacionalmente”.
Mas, a lei não agradou a todos. No final do ano passado o MPF divulgou um parecer técnico criticando o projeto por criar uma “janela de impunidade que poderá ser uma verdadeira blindagem a favor dos criminosos e investigados nas grandes operações contra a corrupção no Brasil". De acordo com a nota, a nova legislação pode fazer crer que “o crime compensa”, além de conduzir “a um lapso de impunidade". O documento cita ainda uma resolução da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico segundo a qual programas de regularização tributária não devem ser usados para oferecer “imunidade penal absoluta”. A aposta do MPF é aprofundar a colaboração entre o Brasil e os chamados paraísos fiscais como ferramenta para facilitar a repatriação dos recursos – como tem sido feito até então.
MPF pede documentos do Panamá
O MPF já começou as tratativas para que o Panamá forneça acesso às provas obtidas pelo Consórcio de Jornalistas envolvendo a Mossack Fonseca. Pela legislação brasileira, as provas de eventuais irregularidades nas offshores só têm valor jurídico caso sejam encaminhadas pelo Governo local. No caso dos Panama Papers o processo deve demorar, uma vez que provavelmente nem mesmo as autoridades panamenhas têm os documentos em mãos. Caso as autoridades do Panamá enviem o material para o Brasil, “os documentos serão encaminhados à PGR, à Curitiba [onde processos da Lava Jato tramitam na primeira instância] e aos investigadores de pessoas que já respondem algum inquérito”, afirmou o procurador Vladimir Aras, secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. De acordo com Aras, novas apurações podem ser abertas nas cidades onde envolvidos em irregularidades tenham domicílio.
Parte dos documentos da empresa, no entanto, já está em poder da Justiça, uma vez que o escritório brasileiro da Mossack, em São Paulo, foi alvo de busca e apreensão durante a 22ª fase da Lava Jato, realizada no final de janeiro. Esta etapa da operação tinha relação com uma offshore aberta pela companhia panamenha que teria comprado uma unidade no edifício Solaris, no Guarujá, o mesmo onde o ex-presidente Lula tinha cotas.
No Brasil, os Panama Papers vem à tona quando uma legislação entra em vigor para facilitar a regularização de dinheiro de brasileiros mantido no exterior, mas que não havia sido declarado à Receita Federal.
Nova legislação, que entrou em vigor um dia após divulgação das contas ocultas abertas por escritório panamenho, garante que dinheiro mantido fora seja…
BRASIL.ELPAIS.COM|POR GIL ALESSI

O que alguns políticos, o PCC e a Cosa Nostra têm em comum? Uma offshore

Existe um produto disponível no mercado financeiro global que coloca lado a lado traficantes internacionais de drogas, armas e pessoas, políticos e empresários. Oferecidas nos melhores paraísos fiscais ao redor do mundo, tratam-se das offshores, empresas abertas em países com poucas taxas e fiscalização. Ser titular de uma não quer dizer propriamente que se atua de maneira ilegal. Mas, as offshores permitem a entrada de empresas e negócios que vivem à margem da sociedade. Por isso, especialistas explicam que elas estão no coração do sistema global de lavagem de dinheiro e corrupção.Logo, se por um lado empresas são usadas dentro dos limites da lei, por oferecerem vantagens econômicas com relação ao pagamento de impostos e na aquisição de bens em outros países, por outro elas ajudam a costurar a logística criminosa de atividades ilícitas. Os tentáculos deste tipo de empresa dão a volta no globo.
Sem as offshores, a máfia Siciliana, conhecida como Cosa Nostra, não conseguiria lavar o dinheiro proveniente do comércio de heroína ou pagar seus fornecedores de droga na Ásia. Por sua vez, o Primeiro Comando da Capital não receberia os pagamentos da N’Drangheta (a máfia calabresa) por facilitar a chegada de cocaína da Bolívia aos mercados europeus via porto de Santos. Representantes do Cartel de Sinaloa, um dos mais sangrentos do México que tem como figura central o traficante El Chapo Guzmán, preso no ano passado, também precisam deste tipo de empresa para lavar o dinheiro do tráfico de cocaína e metanfetamina para os Estados Unidos. E não é só: a máfia russa, responsável pelo tráfico de mulheres das ex-repúblicas soviéticas que abastece o lucrativo mercado de prostituição na Europa, também depende das offshores para pagar propina às autoridades e aos sindicatos criminosos locais. E recentemente surgiram indícios de que até os piratas que agem na costa da Somália sequestrando navios cargueiros usam offshores operadas por banqueiros na Índia e em países do Oriente Médio para operar.
Sem uma empresa offshore aberta na Suíça ou no Panamá, Eduardo Cunha não conseguiria receber e esconder o dinheiro fruto do pagamento de propinas no esquema de corrupção da Petrobras, de acordo com a força-tarefa da operação Lava Jato. O parlamentar nega ser o titular das contas, apesar das autoridades suíças já terem divulgado documentos de abertura das empresas com sua assinatura. Empresas também recorrem a esse expediente para movimentar a roda de subornos longe dos olhares do fisco: de acordo com o Ministério Público Federal, a empreiteira Odebrecht mantinha várias offshores no exterior destinadas apenas ao pagamento de propinas para autoridades e diretores da Petrobras.
Jeffrey Robinson, especialista em crimes financeiros e autor do livro The Laundrymen (Os Lavadores, em tradução livre), explica que “o crime organizado transnacional age exatamente como uma empresa multinacional, utilizando a mesma infraestrutura global do mercado financeiro para resolver seus problemas corporativos”. Fazem parte desta cadeia de negócios escusos advogados, banqueiros, contadores e especialistas em criação de offshores. Algumas delas são estruturadas utilizando-se mecanismos complexos, com objetivo de tornar a identificação do seu real dono praticamente impossível. Nestes casos, um diretor de fachada que atua por procuração e geralmente é ligado à companhia responsável pela criação legal da empresa no paraíso fiscal (como a panamenha Mossack Fonseca, por exemplo), aparece como o responsável na documentação. Mas o verdadeiro dono da empresa é alguém que permanece nas sombras, e tem em seu poder as ações do empreendimento – única prova da titularidade da offshore.
Apesar das dezenas de exemplos de mau uso dessas empresas, de acordo com a legislação brasileira elas não são ilegais, desde que os recursos depositados no exterior sejam declarados à Receita Federal. Empresas de importação e exportação, com filiais em outros países e até famílias abastadas que querem menos burocracias para tratar de transmissão de heranças, por exemplo, são clientes de offshores. A compra de um imóvel no exterior pode exigir uma conta em offshore também.
Globalmente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem cobrado de seus países membros a implementação de leis mais rígidas para coibir o uso de offshores pelo crime organizado e por corruptos. Entre as medidas propostas estão a adoção da política know your client (ou conheça seus clientes), mais transparência nas transações e a colaboração entre autoridades internacionais para troca de informações fiscais sobre os suspeitos. O acordo, do qual o Brasil é signatário, começa a valer nos segundo semestre de 2017.
Para o jurista Walter Maierovitch, também é preciso levar em conta o papel que as instituições financeiras “onshore”, ou seja, os grandes bancos legalmente estabelecidos, tem na lavagem de dinheiro e no uso de offshores. “Você vai verificar que se lava mais dinheiro nas instituições bancárias onshore do que fora, e além disso estes bancos também estão presentes offshore: muitas vezes o cérebro de uma operação está em um Banco do Brasil, por exemplo, mas as transações ocorrem em algum paraíso fiscal”, afirma. Em palestra para autoridades do setor de segurança pública em 2009, o escritor Misha Glenny, autor de McMáfia (Companhia das Letras) e especialista em crimes organizados globais, disse que “se os Governos querem fazer algo a respeito da evasão fiscal, crime organizado transnacional e lavagem de dinheiro, precisam se livrar das offshores”. De acordo com ele, "você não precisa dormir com prostitutas ou usar drogas para ter uma relação com o crime organizado: ele afeta nossas contas bancárias, fundos de pensão, comunicações e nosso Governo".
Ser titular de uma offshore não quer dizer propriamente que se atua de maneira ilegal. Mas, elas permitem a entrada de empresas e negócios que vivem à margem da sociedade.
Empresas como as citadas nos Panama Papers estão no coração do crime organizado transnacional, segundo especialistas
BRASIL.ELPAIS.COM|POR GIL ALESSI